Descomissionamento: conceitos, etapas e oportunidades para o Brasil

Bianca Lima, Elisa Andrade e Amanda Pires*

Coletivo Tributaristas Cariocas

O esgotamento das reservas de um campo de petróleo marca o início do descomissionamento. Trata-se de uma sequência complexa de atividades técnicas, operacionais, regulatórias e ambientais que envolvem diversas etapas até a efetiva devolução da área à União e a destinação adequada dos bens e resíduos gerados.

O planejamento da atividade de descomissionamento se inicia aproximadamente cinco anos antes da desconexão de um FPSO e sua retirada da área concedida, por exemplo. Portanto, é necessário um planejamento detalhado e criterioso durante a fase de desenvolvimento do projeto. A elaboração do Programa de Descomissionamento (PD), bem como o planejamento de recursos financeiros e aprovações de órgãos como ANP, IBAMA, Marinha, CNEN fazem parte da preparação inicial. A partir daí, a depender da especificidade de cada projeto, pode ser necessário perpassar por etapas como, por exemplo, o tamponamento e o abandono definitivo dos poços, a limpeza e remoção de estruturas, a desconexão de sistemas submarinos (subsea) e, por fim, a saída da unidade de produção.

Além da retirada dos equipamentos, o processo de descomissionamento envolve a destinação adequada dos materiais subsea, seja por descarte, reutilização ou reciclagem, e a recuperação ambiental da área, que deve ser monitorada antes de sua devolução formal à ANP, conforme previsto no artigo 2º, inciso VIII, da Resolução ANP nº 817/2020.

A importância da clareza conceitual

É essencial, para garantirmos maior segurança jurídica e melhor direcionamento à resolução dos pontos a serem ainda desmistificados, distinguir os termos frequentemente utilizados de forma intercambiável, como descomissionamento, desmobilização, desmantelamento e reciclagem, que possuem significados distintos e implicações legais próprias.

Segundo a Resolução ANP nº 817/2020, o processo de descomissionamento é o “conjunto de atividades associadas à interrupção definitiva da operação das instalações, ao abandono permanente e arrasamento de poços, à remoção de instalações, à destinação adequada de materiais, resíduos e rejeitos e à recuperação ambiental da área”, encontrado no artigo 2 inciso VII. Em suma, descomissionar está, principalmente, relacionado à desinstalação. De qualquer forma, considerando a abrangência do conceito de descomissionamento, é compreensível entender este como verdadeiro “gênero” do qual os demais termos são “espécies”.

Já o termo desmobilização aparece na Instrução Normativa RFB nº 1.781/2017 e suas atualizações, referindo-se ao prazo adicional concedido para a movimentação de bens vinculados a regimes aduaneiros especiais. Ou seja, trata-se da movimentação física de ativos.

O desmantelamento, por sua vez, é mencionado na Lei Ordinária do Rio de Janeiro nº 10.028/2023, no contexto da reciclagem de embarcações e plataformas. Nesse caso, refere-se ao processo de desmontar parcial ou totalmente uma embarcação ou instalação, com o objetivo de recuperar materiais e garantir a destinação ambientalmente adequada de resíduos e componentes perigosos. Em resumo, desmantelar está relacionado a desmontar.

reciclar, neste contexto, é o processo de reaproveitamento dos materiais.

Portanto, embora estejam relacionados, os conceitos envolvem responsabilidades técnicas, jurídicas e ambientais distintas, ainda que possam eventualmente se sobrepor apenas em alguns de seus detalhes técnicos – tidas como verdadeiras “zonas cinzentas” – considerando a frequente interconexão entre estas. Compreendê-los é fundamental para o correto enquadramento regulatório das operações e para o desenvolvimento de políticas públicas eficazes.

A complexidade e o potencial do descomissionamento

Devido à complexidade envolvida, o descomissionamento demanda o engajamento de diversas empresas especializadas, abrangendo engenharia, logística, operações submarinas, gestão de resíduos, serviços ambientais, certificações e monitoramento.

Além disso, a abordagem responsável do descomissionamento tem o potencial de reposicionar o Brasil como referência internacional na gestão do ciclo completo de projetos de óleo e gás, do licenciamento à recuperação da área, posição hoje ocupada por países como a Dinamarca.

Contudo, para que esse mercado se desenvolva plenamente em nosso país, é necessário que haja marcos regulatórios claros, previsíveis e coordenados, além de incentivos à inovação e à participação de empresas nacionais em toda a cadeia de serviços.

Considerações finais

O descomissionamento não deve ser visto apenas como o encerramento de um ciclo produtivo, mas como uma etapa estratégica da exploração e produção de petróleo e gás, que exige preparação, investimentos e capacidade técnica. Com a atual intensificação da maturação dos campos no Brasil, esse tema ganha centralidade e impõe desafios à regulação, ao planejamento das operadoras e à articulação com fornecedores.

Definir os conceitos e estruturar esse mercado são passos fundamentais para que o país aproveite as oportunidades associadas ao processo de descomissionamento, transformando um desafio operacional em verdadeiro vetor de desenvolvimento industrial e tecnológico.


Bianca Lima possui 20 anos de experiência com Regimes Aduaneiros Especiais sendo 13 anos na Indústria de O&G. Consultora Membro da CDAD – Comissão de Direito Aduaneiro – OAB/RJ, Coordenadora do Comitê Aduaneiro da Abespetro (Associação Brasileira das Empresas de Bens e Serviços de Petróleo), Líder de Compliance Aduaneiro na SLB (Schlumberger). Bacharel em Relações Internacionais com ênfase em Comércio Exterior pela Universidade Estacio de Sá. Pós Graduação em Diplomacia e Negociações Internacionais pela Universidade Cândido Mendes e Especialização em Logística e Supply Chain pelo ILOS/COPPEAD, especialização em Direito Aduaneiro pela CEPED-UERJ. Elisa Andrade é economista e Analista de Politicas Publicas na Associação Brasileira das Empresas de Bens e Serviços do Petroleo (ABESPetro). Entrou para a associação em 2024 e trabalha com a coordenação do Comitê Aduaneiro. Já passou por diversas empresas do mercado financeiro atuando como economista. Mestre em Economia Empresarial e Finanças pela Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE/FGV) com ênfase em Data Science. É bacharel em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Amanda Pires é head of energy – interfreight e sócia – infis consultoria diretora executiva – logística brasil. Possui 17 anos de experiência profissional, 10 na Indústria de O&G. Especialista em regimes aduaneiros e tributários, com uma carreira destacada em Comércio Exterior, Trade Compliance e Direito Aduaneiro. Bacharel em Relações Internacionais e pós graduada em Comercio Exterior e Direito Aduaneiro e Tributário pela PUC Tem como destaque em sua experiência profissional a Coordenação do Comitê Aduaneiro da ABESPetro (Associação Brasileira das Empresas de Bens e Serviços de Petróleo) e a participação na CDAD – Comissão de Direito Aduaneiro – OAB/RJ

*Este artigo reflete as opiniões do (a) autor (a), e não do Instituto de Pesquisas em Direito Aduaneiro – IPDA.
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