Tarifaço: efeito dominó

Renata Strang Ciasca

*Coletivo Tax and Woman

Faz meses que este tema ocupa as manchetes de todos os veículos de comunicação e tira o sono dos exportadores brasileiros.

Seu nome popular é “Tarifaço”, e antes de abordar seus efeitos sobre nossas exportações, faço aqui breve explicação e distinção quanto às medidas atualmente adotadas pelos EUA em face do Brasil.

 As três ordens de sanção

São sanções de três ordens distintas: 

Seção 232 da Lei de expansão comercial
(Trade Expansion Act, section 232) 

Autoriza o Presidente a impor restrições comerciais, inclusive tarifas, quando as importações de um bem ameaçam prejudicar a segurança nacional dos EUA.

Usualmente imposta a setores ou produtos específicos, foi utilizada em 2018 para sobretaxar aço (25%) e alumínio (10%) de origem Brasileira.

A legalidade dos poderes outorgados pela Seção 232 já foi debatida judicialmente nos EUA, tendo prevalecido o entendimento de que o Presidente tem discricionariedade para impor restrições.

Lei de poderes econômicos de emergência internacional
(IEEPA – International Emergency Economic Powers Act)

Em 1917 o Congresso norte americano aprovou o TWEA (Transaction With Enemy Act) para regulamentar as transações internacionais com potências inimigas. Essa lei foi ampliada durante a década de 1930 para permitir que o presidente declarasse emergência nacional em tempos de paz e assumisse amplos poderes sobre transações domésticas e internacionais.

Ao longo dos anos, presidentes norte-americanos usaram a TWEA para bloquear transações financeiras internacionais, confiscar ativos sediados nos EUA detidos por cidadãos estrangeiros, restringir exportações, modificar regulamentos para impedir o acúmulo de ouro, limitar o investimento estrangeiro direto em empresas americanas e impor tarifas sobre todas as importações para os Estados Unidos.

O TWEA é a origem da Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA), que foi promulgada em 1977.

A IEEPA confere ao presidente dos EUA ampla autoridade para declarar emergência nacional e emitir ordens executivas com objetivo de regular transações financeiras e comerciais, restringir investimentos para lidar com ameaças à segurança nacional, política externa ou economia do país.

Embora não seja seu uso tradicional, a IEEPA vem sendo vastamente utilizada pelo atual governo dos EUA para justificar a imposição de tarifas sobre bens importados.

Foi com base na IEEPA que o Brasil recebeu em 09/7/25 a carta em que o presidente dos EUA comunicou que a partir de 01/8/2025 todas as exportações de produtos brasileiros àquele país seriam taxadas em 50%. Dias depois, foi publicada relação de quase 700 produtos de origem brasileira que não seriam atingidos pela majoração antes anunciada.

Este uso aparentemente indevido da IEEPA motivou a judicialização de questionamentos acerca da constitucionalidade de ordens executivas emitidas sob seu amparo com fins de imposição de tarifas adicionais às importações para os EUA.

Na presente data, medida judicial movida por importadores norte americanos visando ter reconhecida a inconstitucionalidade dessas ordens executivas obteve vitória em 1º grau e o 2º grau a confirmou. Advogados da União pretendem levar a discussão à Suprema Corte dos EUA.

Seção 232 da Lei de Expansão Comercial
(Trade Expansion Act, section 301)

Prevê investigação para apurar se atos, políticas e práticas de um país são injustificados, discriminatórios e oneram ou restringem o comércio dos EUA.

A investigação quase sempre é sobre determinado ato ou medida específica adotada por um país, no entanto, em face do Brasil são vários os temas sob apuração no atual momento: comércio digital e serviços de pagamento eletrônico, tarifas preferenciais injustas, interferência anticorrupção, proteção da propriedade intelectual, acesso ao mercado de etanol e desmatamento ilegal.

Diferente das duas medidas sancionatórias citadas acima, esta é a única que prevê contraditório, negociação, apuração.

O processo tem início com uma reunião entre representantes de ambos os países, que apresentam seus argumentos e oficialmente dão início à negociação.

Processos dessa natureza costumam levar por volta 12 meses para ser concluídos. No caso em tela – como há muitos temas sob investigação – estima-se que esse prazo será alongado ou o processo será seccionado.

Cedo ou tarde, a depender de seu resultado, novas tarifas poderão ser aplicadas.

Impactos sobre exportações já negociadas

Além de abalar gravemente a previsibilidade das relações comerciais, essa sucessão de medidas, por óbvio, aumentou o custo de aquisição do produto brasileiro pelo importador americano.

Se a compra for cancelada em razão dessa majoração, o impacto para o exportador é muito maior que o preço de venda das mercadorias não exportadas, com efeitos também para outros envolvidas na longa cadeia de exportação.

Para exportar com regularidade, cumprindo metas e prazos impostos contratual ou negocialmente, o fornecedor se prepara e assume uma série de compromissos.

Uma exportação tem início muitos meses antes de a mercadoria estar pronta para ser embarcada e envolve uma lista grande de terceiros envolvidos.

Na imagem acima, alguns exemplos:

Insumos e Embalagens: para produzir a longo prazo, os fabricantes precisam se assegurar de ter acesso aos insumos e às embalagens nos moldes exigidos por cada um dos países destinatários das mercadorias. Para isso, se comprometem localmente a adquirir volumes mínimos anuais em contratos que, não raras vezes, impõem multas por rescisão. Se perder um mercado comprador como os EUA, terá excesso de insumos ou pagará multa para cancelar o fornecimento desses. Além disso, muito possivelmente perderá seus estoques de embalagens destinadas àquele país.

ACC – o Adiantamento sobre Contrato de Câmbio é uma modalidade de financiamento concedido com juros subsidiados cuja destinação deve ser a produção de mercadorias para exportação. A empresa que contrai ACC assume, em contrapartida, a obrigação de comprovar a exportação dos bens cuja produção foi financiada. Se não exportar, pagará multa e juros de mercado.

Transporte e Armazém – para assegurar o escoamento e embarque de sua produção até os portos e aeroportos de onde partirão rumo ao exterior, para se proteger dos dissabores dos gargalos logísticos de nosso país, muitos exportadores contratam com bastante antecedência transportadoras nacionais responsáveis pelo percurso interno, terminais e armazéns nos quais as mercadorias ficarão acondicionadas até que possam embarcar. Em razão de escassez – perene ou sazonal – de oferta, muitos contratos com esses parceiros logísticos são “take or pay”, ou seja, o exportador paga mesmo se não usar.

Portanto, no cancelamento de uma exportação, os passivos amargados pelo exportador podem ir muito além de não vender a mercadoria.

Mitigação de perdas

No que toca aos EUA o momento exige proximidade.

É preciso intensificar ações como as que vimos na primeira semana de setembro, quando empresários, setores e confederações Brasileiras desembarcaram nos EUA para participar de reuniões e debates com lideranças de diversos segmentos da economia norte-americana.

O momento pede paradiplomacia. É fundamental que entes subnacionais realizem suas próprias relações e ações no cenário internacional, sem depender unicamente do governo federal.

Outra sugestão para redução de prejuízos – presentes ou futuros – é que se faça uma análise criteriosa dos acordos que suportam as transações internacionais.

Se sua empresa exporta e ainda não tem contrato, o momento recomenda que se tenha um documento estabelecendo as condições negociais e obrigações de parte a parte.

Se já há um contrato firmado, é hora de revisitá-lo. Consta dele uma “hardship clause”?

Diferente da cláusula de força maior, que trata de situações em que a execução de uma obrigação se torna impossível, a “hardship clause” (em tradução livre: “cláusula de adversidade”) é uma disposição que visa manter o equilíbrio do contrato, permitindo que seus termos sejam revisados ou renegociados sempre que eventos imprevistos alterarem fundamentalmente o equilíbrio das obrigações ali assumidas.

Há, inclusive, a possibilidade de prever contratualmente que, no caso de as partes não conseguirem chegar a um consenso sobre as soluções negociadas, um árbitro poderá adaptar o contrato, assegurando sua continuidade.

Este é só um dos exemplos de cláusulas importantíssimas que devem constar de contratos que envolvem o comércio internacional. O momento pede atenção, cautela e diligência redobradas.


Renata Strang Ciasca é Especialista em Direito Penal e Processual Penal (Escola Superior do Ministério Público de São Paulo), Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu (Universidade de Coimbra), Formada em Comércio Exterior (Aduaneiras), Pós Graduada em Direito Tributário (APET), Membro do Comitê Jurídico da Associação Brasileira das Empresas de Comércio Exterior (ABECE), atualmente cursando Business Transactions and Contracts (ICC Academy).

*Este artigo reflete as opiniões do (a) autor (a), e não do Instituto de Pesquisas em Direito Aduaneiro – IPDA.
O IPDA não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.